segunda-feira

Quatro pequenas paredes

Só, sempre só. Só na ânsia de te ver entrar pela porta adentro, olhar ausente, pensamento quente, gestos mecânicos cheios de vontade de parar. Parar e olhar e ver alguém a esperar.
Entra. Entra e olha. Olha e vê. Vê-me a mim, vê-te a ti, antes. Tanto tempo. Tempo? Que tempo? O que é o tempo? Coisa que passa… a correr, devagar… coisa que não existe. Entra. Entra e pára. Pára! Pára de pensar para pensar no que vês.
Atitude rotineira, chaves no chaveiro, casaco no cabide, passos pelo corredor – “Olá” – um beijo fugidio, uma figura cansada… passos para o escritório.
Passos que ecoam pelas paredes despidas de uma casa completamente vazia. Vazia de tudo o que um dia a perfez de luz e calor, escura e fria agora. Fecho os olhos, tento concentrar-me, “respira fundo” – diz uma voz interior.
Pasta na secretária, caminho até ao quarto, roupa no chão.
Outrora tão demorada, apaixonadamente…
Seguras o livro, pões os óculos, puxas uma almofada. Sentas-te no sofá exactamente em frente ao meu, embrenhado em histórias, fantasia e faz-de-conta.
Ausência de ti…
Levanto-me em direcção à cozinha, murmuro sugestões pelo caminho, sei que não obtenho resposta. Jantar pronto. Conversa de mesa, discurso banal, a comida acaba por perder o sabor. Jantar terminado – “Estou cansado”. Deitas-te e viras-me as costas, apagas o candeeiro e fechas os olhos. Terás alguma vez aberto a alma nestes últimos tempos?
Quero abanar-te, acordar-te, olhar-te nos olhos, fazer-te entender! Quero fazer-me sentir aqui, quero-te outra vez dentro destas quatro pequenas paredes que se tornaram tão vastas tal é a dimensão da distância entre nós.
Abraça-me. Mas abraça-me com força. Aperta-me para que eu me convença de que não foste embora, para que eu me convença de que não partiste para tão longe assim.
Beija-me. Mas beija-me com vontade. Faz-me fechar os olhos de encanto, para que eu saiba que não me deixaste esquecida, para que eu saiba que temos um lugar.
Deseja-me como nunca, para que possamos finalmente e de novo encontrar-nos neste mundo de mentiras e máscaras, para que possamos finalmente e de novo baixar as armas e descurar todas as defesas.
Ama-me sempre, para, quando aqui chegarmos mais uma vez, tornarmos tudo tão um conto de fadas e vivermos felizes (não para sempre, mas) como nunca.

Sem comentários: