quarta-feira

Lugar de silêncio

No lugar do silêncio, é onde melhor oiço o que me querem dizer. Não há outro lugar onde consiga estar mais atenta ao que me tentam transmitir. No meio das tantas pedras e dos tantos nomes e datas, é onde não consigo fugir para o barulho dos dias cheios, onde esvazio a minha mente, para a encher das memórias e conselhos de quem um dia me ensinou as lições mais preciosas. Lá, não há razão para pensar em nada. Lá, é onde a ausência reina. É onde mais não está quem permanece em tantos outros sítios. É onde a realidade se afigura mais real. E ao mesmo tempo, onde nada além do que sinto importa.
Os lugares mais estranhos, contudo, acabam por ser ainda melhores lugares de silêncio. Mas de um prisma exactamente oposto. Como se para olhar para mim própria precisasse antes de muita, muita gente em volta, muito, muito ruído exterior. Em vez do silêncio da ausência das coisas importantes, onde os gestos e as pessoas que importam dão lugar ao vácuo de mim. Onde olho verdadeiramente para fora de mim. Não, a gente em quantidade e o barulho que ensurdece é que me deixam assim, sem vontade de olhar para fora, uma estúpida necessidade aparente de pensar que tenho de resolver toda uma vida por demais preenchida. Pelo quê?!
Então, é quando ignoro a mulher que quer saber em que direcção seguir para chegar ao Saldanha, e que vive sozinha, viúva há 18 anos e a filha emigrante em Paris, tem problemas de estômago, faz muitas endoscopias e toma injecções nos olhos. É quando ignoro o homem que, educado, me deseja bom dia quando desço para o Metro, e que tem frio, tem fome e não tem uma casa para morar. É quando já pouco me importo com a frequência com que vejo alguém outrora essencial. É quando cavo um buraco cada vez maior em mim, que fica cada vez mais difícil de tapar.