quarta-feira

Acaso


Certa manhã, o sol espreitou entre o tecido ondulante da cortina e bateu na sua cara branca. Abriu-lhe os olhos, fê-la bocejar e esticar o corpo. Afastou a roupa e levantou-a da cama. Calçou-lhe os chinelos e pôs-lhe um roupão. Dirigiu-a ao andar de baixo, onde abriu as portas que dão para a varanda e lhe indicou que saísse. Ficou assim, braços estendidos apoiados com as mãos no parapeito ainda frio da noite, queixo erguido, nariz aberto e olhos fechados. Inspirou o dia que começava. Percorreu mentalmente o encadeamento de ideias que defendia em relação à existência do ser. Sussurrou um agradecimento ao acaso que tudo proporcionava. E voltou para dentro, lavou-se, vestiu-se, comeu. Saiu de casa como toda a gente. Trabalhou e divertiu-se. À noite, quando chegou, repetiu o estranho ritual. Depois deitou-se na cama forrada de linho lavado e fresco. Fechou os olhos debaixo dos raios de luar que entravam entre o tecido ondulante da cortina. E esperou, na certeza de não precisar dele, o dia que voltaria a nascer.

Sem comentários: