sábado

Mala de viagem

Se eu fosse como o vento, não passava por nenhum lugar igual ao anterior. Daria voltas e voltas, em que o mundo esticaria sempre mais além de onde acabava e eu nunca lhe veria o fim. Não reconheceria o rosto de ninguém em quem tocasse. Não passaria de um vaguear perdido, alheado. Sem origem, sem destino. Sem caminho, nem mapa. Não sei onde passo nem o que vejo. Tudo é sempre novo para mim. Levaria uma capa e capuz, para poder proteger-me da intempérie e do sol, umas botas, para pisar as pedras e as ervas e as poças do chão, e uma mala cheia de nada, para poder encher com tudo. Precisaria de muito espaço, para apanhar o que o acaso me trouxesse à mão. Guardaria tudo com carinho. Não deixaria nada para trás. Sem origem, sem destino, sem caminho sequer, tudo o que encontrasse seria o que me tornaria a mim e à minha existência importante, faria valer a pena. É tão belo assim viver o mundo. Não há amarras que me prendam quando estico o corpo e subo no ar, e, sempre que viro uma esquina ou alcanço uma cerca, encontro novidade e mistério. Espero nunca perder a mala. Gosto de a abrir de vez em quando. Forçar a mente, ainda que sem grande sucesso, a revisitar cada lugar. Gosto de sorrir e dar as mãos às memórias que ela encerra. As essências perdidas no tempo que já passou, que não volta. Essas, quero-as para sempre.

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