sábado

Maleável ou nem tanto

Dentro da flexibilidade, há alturas em que se sente uma rigidez que parece ser só nossa, estranha, de outro mundo... No fundo, aos olhos dos outros parece-nos a nós que somos mesmo extraterrestres a desejar algo completamente fora do alcance humano, totalmente descabido, desprovido de razão de ser, por ser tão inatingível, tão utópico. Acabo a sentir-me mal de cada vez que me contenho e não digo a alguém conhecido que devia deitar a beata no cinzeiro ou no lixo em vez de, descontraidamente, a pisar no chão ou enterrar na areia da praia. Visito alguém e deito embalagens de plástico, objectos em cartão ou garrafas de vidro no lixo comum por não se separar os resíduos naquela casa. Desço de elevador para agradar a quem sai de casa comigo e apanho o metro em vez de andar a pé e chegar mais depressa à faculdade. Guardo no quarto escondidas as bolachinhas para molhar no leite à noite antes de ir dormir, para evitar que desapareçam na goela do indivíduo mais guloso cá de casa. Aguento quem fala por cima dos outros, quem conversa nas aulas como se estivesse na esplanada da esquina. Calo-me em vez de corrigir um erro de ortografia gritante. São apenas alguns dos exemplos que de repente me assaltam. Às vezes sinto-me tão intolerante.

2 comentários:

Zé Pedro disse...

És tão .. liricamente contemporânea .. apaixonável de tanta intolerância tolerável!! Desculpa-me se por vezes roço com insignificância a tua coerência moral, é de lamentar a nossa hipocrisia, que tão arduamente admitimos. Simbolizas com enorme romantismo aquilo que mais precisamos e, que ao mesmo tempo, com a maior das facilidades pomos de parte. Entre o trajecto que percorremos nesta transição do tradicional para o moderno, ele há os que pulam e ele há os que caminham levemente .. Não obstante a complexidade da mudança, e da necessidade de se preservar a coerência, que por vezes nos assola com intermitentes 'estalinhos' emocionais, és Tu quem vence, quem se evade no profundo exercício de deambulações e reflexões que têm sobretudo, a funcionalidade pouco reconhecida - a não ser por quem a vive - de manter a coerência, a ligação entre o passado que somos e o futuro que construímos.
Sinto uma imensidão de beleza na tua pessoa, um tamanho conhecimento esquecido por tantos ..

Joana Ofélia disse...

As tuas palavras deixam-me a mim emudecida, acanhada, de bochechas vermelhas e sorriso escondido. Obrigada! :) Gosto muito de ti!