sábado

Assador de castanhas


Sai em passo apressado, já é noite e as luzes dos carros ofuscam a vista de quem vem em sentido contrário no passeio. Há buzinas a soar e pessoas a falar com outras pessoas ao telemóvel. À saída do portão, a névoa que sobe, desce e cresce em redor do carrinho das castanhas perfuma o ar de com o cheiro doce, quente que a conforta. Filtra a luz dos faróis na estrada, cria uma atmosfera mística, altera o real. O frio é assim mais suportável, com a pressa nos pés e as castanhas no nariz. E os músculos hirtos, a apertar o casaco e a esconder o pescoço, cabeça baixa entre a fina écharpe. O sobretudo preto a descobrir as pregas da saia vermelha. O toc toc dos saltos na calçada. A respiração condensada em frente aos lábios entreabertos, carnudos, vermelhos a esconder o roxo gelado. Corre e respira fundo para a serenidade e calor dentro do autocarro. Fecha os olhos e pensa que está a voltar para casa. É fim-de-semana. E por dois dias a cabeça pode lavar-se da rotina e ser só criança outra vez. Olhar para o que é pequeno outra vez. E reparar de novo que é isso o que de mais grandioso se tem, ainda que, noutras circunstâncias, seja dia de semana e não se tenha talento para assim realmente acreditar. O fumo do assador de castanhas tem estado lá todos os fins de tarde. Até todas as manhãs. Quem sabe o vendedor de castanhas não foi encomendado por uma entidade divina, com funções de lembrar às pessoas que todos os dias são dias. Todos os dias são vida. E vida é fechar os olhos e pensar que estamos em casa. Onde é suposto estarmos. De onde não queremos fugir. É o cheiro do fumo das castanhas em permanência, e a fugidia lembrança das bonecas de cabelo de lã, olhos de pionés e cabeça de castanha. Esta Maria Castanha sai agora apressada à sexta-feira. Mas numa pressa diferente. A pressa de quem se sente já em casa. Desde que seja Outono. E o fim de tarde já seja noite. E as luzes dos carros ofusquem quem vem de frente no passeio. E os sapatos façam toc toc na calçada. E não queira fugir.

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