segunda-feira

Arte dramática

Fingir para quê, quando o drama é tão real! Como se por oposição àquelas pessoas que fazem birras sem razão, tenha que fingir antes que não se passa nada, quando estou na beirinha do precipício. Fitas? Mas que fitas? Se eu nunca me queixei. O que eu não faço é conformar-me. Não me conformo.

quarta-feira

Lugar de silêncio

No lugar do silêncio, é onde melhor oiço o que me querem dizer. Não há outro lugar onde consiga estar mais atenta ao que me tentam transmitir. No meio das tantas pedras e dos tantos nomes e datas, é onde não consigo fugir para o barulho dos dias cheios, onde esvazio a minha mente, para a encher das memórias e conselhos de quem um dia me ensinou as lições mais preciosas. Lá, não há razão para pensar em nada. Lá, é onde a ausência reina. É onde mais não está quem permanece em tantos outros sítios. É onde a realidade se afigura mais real. E ao mesmo tempo, onde nada além do que sinto importa.
Os lugares mais estranhos, contudo, acabam por ser ainda melhores lugares de silêncio. Mas de um prisma exactamente oposto. Como se para olhar para mim própria precisasse antes de muita, muita gente em volta, muito, muito ruído exterior. Em vez do silêncio da ausência das coisas importantes, onde os gestos e as pessoas que importam dão lugar ao vácuo de mim. Onde olho verdadeiramente para fora de mim. Não, a gente em quantidade e o barulho que ensurdece é que me deixam assim, sem vontade de olhar para fora, uma estúpida necessidade aparente de pensar que tenho de resolver toda uma vida por demais preenchida. Pelo quê?!
Então, é quando ignoro a mulher que quer saber em que direcção seguir para chegar ao Saldanha, e que vive sozinha, viúva há 18 anos e a filha emigrante em Paris, tem problemas de estômago, faz muitas endoscopias e toma injecções nos olhos. É quando ignoro o homem que, educado, me deseja bom dia quando desço para o Metro, e que tem frio, tem fome e não tem uma casa para morar. É quando já pouco me importo com a frequência com que vejo alguém outrora essencial. É quando cavo um buraco cada vez maior em mim, que fica cada vez mais difícil de tapar.

quinta-feira

Ciclos de vida e ciclos da vida


O cogumelo emerge da densa rede de bolor escondida nas folhas castanhas e ramos caídos da árvore. A árvore emerge da semente vinda no bico da ave, caída na terra escura solta e molhada. A ave emerge da casca calcária escondida entre a rede do ninho no cimo de outra árvore. A terra. De onde vem a terra. A terra cheia de vida.
As coisas que existem tocam-se e as suas vidas entrelaçam-se e os laços moldam os caminhos. E tudo acontece em ciclos, os círculos intersectam-se, as linhas saem da geometria e desenham à mão livre o que mais sentirem no instante.
O feto cresce criança, a criança cresce menino e menina. Menino e menina ficam maduros e como homem e mulher se amam, dão frutos que os vêem senescer até voltarem à terra.
Levantamo-nos devagar, vamos abrindo os braços ao céu, subimos quanto conseguimos. Quando em bicos dos pés, corpo elevado e mãos e rosto a tocar o ar que nos envolve. Daí fechamos os olhos, fechamos o sorriso, baixamos a cabeça. Recolhemos os membros e enrolamo-nos sobre nós próprios. E choramos. E somos confortados. E de novo nos preparamos para mais um estado de graça. Chega sem aviso, parte sem avisar. Uma e outra vez.
A imprevisibilidade é o abismo. Quanto tempo até cair, não sei. A folha que espera a queda no Outono. Terá tido alegria suficiente todo o Verão.