E assim frios se tornam os dias. Sozinhos, um a seguir ao outro, mas sem alento. Como que não suficientes para encher o tempo. Desligados, alheios uns dos outros. Porque se encolhem tanto quanto o frio os aperta em si mesmos. Cada vez mais estáticos, no pequeno tremelique que lhes faz ranger e bater os dentes madrugada fora.
Vamos, vem aquecer-me os pés. Que sem pés quentes não consigo adormecer. E sem dormir assisto a este desligamento dos dias. E assim se me desliga a mente. Vagueio entre um e outro dia, naquele segmento dúbio do tempo que está entre os tempos de verdade. Quando nada acontece e tudo se vê acontecer. Sem saber se de facto é real. Porque nos interstícios do tempo é quando a realidade às tantas é mais livre de se manifestar. É quando, perdidos no tempo que não é tempo, entre o que é tempo a sério, a tolerância se alia à ausência de restringência. É quando os olhos mais se abrem para deixar entrar mais luz, até do mais pequeno pormenor.