terça-feira

Há elfos na cozinha

Há elfos na cozinha, gostam de espalhar açúcar e farinha pela mesa e pelo chão. Trabalham à luz das velas, acesas e espalhadas pelas bancadas de mármore. Fazem bolos e bolachas, às vezes tartes e pudins. Enchem aquela divisão com muitas estrelas pequeninas e brilhantes, purpurina no ar. Quando tudo é dourado e prateado e verde e vermelho, os sacos das compras vêm cheios de ovos e tangerinas, bacalhau e couves. E mal saímos à rua, de tão quente é a sala da lareira. De tanta geada que nos dá os bons-dias lá fora mal o sol se levanta. É Natal. E tudo brilha que nem o doce glacé do bolo em forma de tronco que adorna a mesa. Fazendo de conta que por estas paragens também neva, o teatro é sempre bem-vindo por esta altura. É Natal. E apesar do gelo nas bochechas de quem bate e entra à porta, nunca se sentirá mais calor em todo o Inverno do que no tempo de Natal.

Young blood

Enchemos mochilas com garrafas de cerveja e debaixo do lençol preto do céu estrelado de Agosto subimos para cima das bicicletas. Pedalámos uns atrás dos outros, aos gritos pela noite. Entrámos por terrenos alheios, fomos por dentro de ervas e arbustos. Saltámos muros e cercas de arame farpado, com as bicicletas às costas e as lanternas a apontar o caminho. Sujámos calças e calções, arranhámos as canelas. Pisámos as tábuas do velho e tosco cais de madeira, despimo-nos e mandámo-nos para dentro de água. Aquela sopa mista de lama e ferrugem e óleo dos motores dos barcos. Atirámos água uns aos outros, ecoámos gargalhadas, não havia amanhã. Subimos agarrados a cordas cheias de algas e deitámo-nos a contemplar a abóbada do melhor Verão das nossas vidas. A contar estrelas que caíam, direitinhas aos nossos bolsos, cheias de desejos. A água já não se mexia, o silêncio do açude somente perturbado por corujas e mochos que piavam uma ou outra vez. No ar, a essência de cada um tocava a do outro, saturando a atmosfera com algo que não saberemos enunciar ao certo. Fizemos coro para músicas lamechas que nunca teríamos tido coragem de cantar noutro contexto. Fugimos a sete pés e muitas rodas, pregámos sustos e morremos de medo no breu da floresta, aos tropeções nas raízes elevadas da terra. Explodimos de alegria quando chegámos à estrada iluminada pelos candeeiros de rua. Fizemos parte uns dos outros. E isso permanece.